terça-feira, 5 de outubro de 2010

Os meninos e meninas
 
seus Caminhos de Sonhos, e Rebeldias


 Beco dos Animais





Fevereiro 2011



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Dezembro 2010




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13 e 27 Outubro  Espaço Kurma

Meditação e Saúde:
Tranquilização e Plena Atenção (Vipassana)
na superação do sofrimento nos estados mentais

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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Os meninos e meninas
seus Caminhos de Sonhos, e Rebeldias

a jornada prossegue

a história da Inocencia




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Programação do Curso: veja em

Corpo, Mente e Saúde: Meditação Budista e Neurociências

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Os meninos e meninas
seus Caminhos de Sonhos, e Rebeldias

a jornada prossegue




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a Sabedoria do Intelecto e o caminho mítico
Arthur Shaker
Maio 2009


Revista UNICLAR, ano XI, no. 1. SP: Faculdades Integradas Claretianas, nov. 2009, p. 61-70

Resumo

Este texto apresenta uma elaboração em torno do tema do Intelecto, a partir dos paradigmas de algumas tradições, como o mundo greco-platônico, o Cristianismo, o Hinduísmo, e o Budismo. Toma como base de pesquisa as contribuições das Ciências da Religião, da Metafísica e da Teologia, bem como do conjunto das ciências humanas, nesse repensar deste tema para a existência humana contemporânea.

A partir desses fundamentos, o propósito central é recolocar o lugar do Intelecto em sua relação com a sabedoria e a razão, num contexto atual de hipertrofia do racionalismo, em detrimento da intuição e sabedoria, acarretando a perda da compreensão do caminho da realização espiritual como o caminho mítico por excelência, meta e fundamento de todas as tradições espirituais.

Palavras-chave:
Intelecto, razão, intuição
• Plena atenção, concentração, Sabedoria
• Mito, caminho mítico, realização espiritual
• Delusão, ignorância, libertação

a Sabedoria do Intelecto e o caminho mítico

Câmera, luz, ação!

Um novo dia, um novo filme, um novo capítulo da novela da vida se inicia, e já estamos correndo atrás de nossos afazeres, deveres, sonhos de realização, viver uma vida plena de satisfações.

Ação, ação, ação, na busca da felicidade. Faça, mexa-se, realize seus sonhos, viva intensamente.

Câmera, luz, ação: Realização!

Até aqui, aparentemente, nada de novo sob o sol. As religiões também têm o propósito de conduzir os seres humanos à realização. Mas vejamos. Nestas três palavras “câmera, luz, ação”, antes da ação há duas outras: câmera e luz. Porque disto? A palavra “câmera” vem como primeira, pois para que haja ação é preciso que haja um foco que dirigirá a ação. Mas há uma palavra não-dita, mas imprescindível, que é anterior ao foco da câmera de nossa novela existencial: a motivação.

Qual a motivação cuja realização preencheria nosso modelo de satisfação? Raramente os seres humanos examinam esta questão vital. Ela é fundamental porque é esta motivação que determina nossas ações, e nossas ações determinam os frutos, e os frutos determinam o senso de satisfação que nossa mente experimenta. E esta relação, entre a motivação e aquilo que a mente interpreta como satisfação, é que ao final determina a avaliação da mente sobre a realização de sua felicidade.

Aqui há um divisor das águas, que as Ciências da Religião, em conjunção com as doutrinas espirituais podem esclarecer: qual o projeto ou modelo de realização que levaria o ser humano à felicidade? Num nível superficial, a felicidade que se corre atrás tende a ser motivada, e por isso dirigida, quase sempre pelo desejo ignorante, que se ilude vendo o que é impermanente como permanente e satisfatório. Resultado: frustração, sofrimento e deslocamento da insatisfação para um novo objeto ilusório. Câmera, luz, ação!

Motivação é sinônimo de intenção, palavra que vem do latim in-tendere, ou seja, para onde tendem nossas ações? E as ações não apenas do corpo, mas da fala e do pensamento. Mas será que os seres humanos estão sendo educados para examinarem os conteúdos das motivações/intenções de suas ações do corpo, fala e pensamento? Essas intenções, que no Budismo são referidas como cetana, na maioria das vezes brotam do fundo do inconsciente da mente, sem que se dê conta deste emergir, que impulsiona as ações. Tem-se a ilusão de que se está agindo “livremente”, mas de fato, somos “agidos” por impulsos inconscientes. E o mais grave: impulsos inconscientes cujos conteúdos na maioria das vezes são as impurezas da cobiça, da aversão (dos pequenos ressentimentos aos ódios violentos) e da ignorância.

“Vigiai e orai”! Nestas duas curtas palavras, proferidas pelo Cristo como diretrizes, estão contidas verdades espirituais de vasto significado e fruto. Comecemos com o “vigiar”. Se a intenção de nossas ações é o que determina a qualidade dos frutos que experimentaremos, e se ela provém quase sempre do fundo do inconsciente, é preciso desenvolver a educação do “vigiar” a porta por onde a intenção provém. Mas quem vai fazer o papel do vigilante? Aqui entra em ação o Intelecto. Mas o que é o “intelecto”?

Certa vez um professor de Teologia cristã me pediu que elaborasse essa noção, pois tinha certa dificuldade em explicá-la aos seus alunos, em virtude do fato de que não havia conseguido encontrar na teologia católica uma definição do Intelecto. E que ele procurava definir, de modo simplificado para os alunos, que Deus ao criar o Homem, colocara seu hálito no homem. Este hálito seria a inteligência, a porção de Deus, o intelecto. E quando o homem ativa esse intelecto, nada mais é que a porção de Deus que conhece a si mesmo, a intuição intelectiva que é imediata. Ao final, me perguntava que correção eu faria a esta explicação.

Quando surge uma pergunta, ao invés de corrermos atrás da resposta (eis de novo o corre-corre impulsivo da mente), pode ser mais frutífero examinarmos, em primeiro lugar, a operação mental que está ocorrendo. É a razão querendo uma definição para aquilo que escapa de seu campo. Definir é dar um fim, é fechar, aprisionar num contorno definitivo, algo que é muito sutil: o intelecto. E o que é sutil, o que é uma qualidade eminentemente divina, não é definível. Podemos no máximo oferecer apoios, upayas, que ajudem a intuição a emergir. Por isso relaxemos a ansiedade da definição na mente.

Tomemos como apoio o símbolo da Roda, tão importante em muitas tradições, como o Hinduísmo e o Budismo.
Quem está em um ponto de um raio do círculo, vê as coisas segundo uma perspectiva; quem está em outro vê de outro ângulo. Como se diz, todo ponto de vista é uma vista, vista de um ponto. Portanto, sempre relativo, parcial e sujeito a falhas, distorções, preferências. Em outras palavras, a razão, ratio, proporção, lida com a distinção, a dualidade, a diversidade. Vê as coisas de modo fragmentado. A razão é apenas uma das faculdades mentais cognitivas. A razão opera no plano da dualidade, que busca uma síntese, que por ser parcial, reabre nova dualidade, no movimento dialético de superações. Mas pelo pensamento, nunca se chega ao conhecimento supremo, em virtude desse caráter limitado do pensamento. Retomando o sentido do “vigiar”, a reflexão sobre nossas intenções tem sua função, mas ela se dá “a partir” do que já foi desencadeado, quase que a posteriori. Há de haver um significado mais profundo, e mais eficaz, portanto, do “vigiar”.

Voltemos ao apoio do simbolismo da Roda. Quem está no Centro da Roda vê todos os raios simultaneamente, pois todos os raios têm seu fundamento nesse centro, é dele que os raios partem. O Intelecto, em seu sentido mais profundo, é essa qualidade central da Sabedoria “que tudo vê”. Enquanto a razão é uma operação cognitiva secundária, o intelecto - que aqui pode ser tomado como sinônimo de Sabedoria, intuição que capta unitivamente o que a razão compreende distintivamente - se aloja na Centralidade e capta a unidade, a síntese. No Budismo, é a Plena Atenção (sati) que é o principal fator mental para a Sabedoria (pañña). A plena atenção vigia, mas aqui vigiar não é apenas estar atento ao que surge na mente, mas desenvolver a sabedoria de investigar os conteúdos que surgem, e se forem carregados de cobiça, ódio e ignorância, erradicá-los pela compreensão e desapego. Este é o significado que une as tradições: o caminho da realização espiritual é, em última instância, o da renúncia. Mas o significado mais profundo da renúncia é o da renúncia a estas impurezas que contaminam e dirigem a mente para a ilusão. Como dizia o Cristo, se o olho engana, melhor arrancá-lo que se perder por ele.

O caminho do Conhecimento deve partir do reconhecimento daquilo que confere a nós, seres humanos, um tesouro valiosíssimo: a inteligência, o Intelecto. Mas esta verdade não é nossa, no sentido de uma qualidade criada por nós, ou da qual sejamos “donos”. O intelecto é de origem transcendente, provém do Absoluto, está em todo lugar, no Cosmos e Supra-Cosmos. Mas também podemos dizer, com a devida cautela, que a inteligência é “nossa”, se entendermos com isso que usufruímos desta qualidade, que nos diferencia das outras espécies, em virtude da plenitude de nossa possibilidade participativa na inteligência. A inteligência ou o Intelecto utiliza do foco da luz que ilumina a nossa câmera para dirigir de modo sábio nossas intenções, que por sua vez dirigem nossas ações do corpo, da fala e da mente.


Podemos utilizar as Escrituras sagradas como de grande ajuda no lapidar de nossa mente. As Tradições têm um corpo teórico vasto, ao qual os homens podem recorrer, desde que utilizado sob orientação correta, e compreendendo as diferenças de ângulos que cada Tradição tem com relação aos suportes do Caminho. Escrituras, imagens, sons, símbolos, a Natureza, nosso corpo e mente, são apoios para o trabalho do Intelecto.

Segundo a metafísica das tradições teístas, o Intelecto (Intellectus ou Nous), ou Espírito (Spiritus ou Pneuma), é o elo intermediário que liga o homem ao Transcendente, à Realidade Suprema. O Intelecto, embora “criado”, seria supraformal e universal, enquanto o mundo psíquico pertence ao domínio formal e individual. O Intelecto ou Espírito seria a “face” criada do Logos, enquanto sua “face” incriada seria o Ser. O Intelecto pertenceria ao reino “angélico”, o domínio dos arquétipos platônicos. É graças ao Intelecto que o homem pode ter o sentido do Absoluto, comunicar-se com o Divino . Poderíamos dizer que é graças ao Intelecto que o homem pode ver e purificar sua mente das impurezas da cobiça, ódio e delusão, e com isso alcançar sua realização espiritual. É através da via do conhecimento, a via efetiva que traz os frutos em si mesmo, que se alcança a definitiva libertação da delusão e do sofrimento.

Segundo a metafísica hindu, explicitado mais especificamente no Samkhya (um dos seis pontos de vista dos Veda), a existência fenomênica se desdobra em uma série de princípios (tattwas), pelos quais os vários graus da manifestação universal são compostos. O primeiro deles é Buddhi, o intelecto superior, como um raio luminoso proveniente de Sol espiritual e iluminando na sua integralidade o estado individual e o ligando aos outros estados do Ser .

Numa perspectiva não-teísta, nas palavras do monge budista Yogavacara Rahula Bhikkhu: “Buddhi, em sânscrito, significa o intelecto puro, a mente que está livre da influência condicionada das emoções, de forma que nela não se constróem observações nem deduções tendenciosas ou preconceituosas. (...) Buddha, o Desperto, foi alguém que libertou sua faculdade intelectual de todas as distorções, levando-a ao maior grau de clareza possível. A partir disso Ele conseguiu desenvolver uma atenção aguçada e um insight penetrante sobre como o corpo e a mente funcionam juntos”.

A palavra Intelecto quer dizer “inter-legere”, “ler entre”. Ler a verdade da efemeridade e ilusão dos fenômenos do corpo e da mente, por entre as distorções da percepção condicionada. Perpassá-las rumo ao Absoluto, o Incondicionado, a suprema realidade transcendente, que está sempre aqui e agora, mas ignorada, porque coberta da delusão sobre a verdadeira natureza do mundo, que oculta a presença cintilante do Absoluto. O Intelecto seria aquilo que na simbologia hindu é o terceiro olho de Shiva, o Centro do qual os dois olhos seriam como a dualidade, os pratos da balança que fazem os jogos dos pesos e contrapesos, e que caracterizam a ação da razão e do pensamento.

Nesses termos, o Intelecto é principial em relação ao pensamento. O termo “principial”, utilizado para designar a ordem dos princípios por René Guénon (cuja obra ainda é pouco conhecida no Ocidente) significa, neste contexto, que o pensamento é uma faculdade mental derivativa do Intelecto, portanto secundária e menos eficiente que seu princípio fundante, o Intelecto. Por isso, enquanto a figura do homem intelectual é vista na modernidade como sinônimo de pensador, na perspectiva espiritual o real homem intelectual é aquele cujo intelecto adentra pelos domínios da transcendência, realizando e purificando o conhecimento desses domínios (que estão dentro de si), até alcançar a Realidade Suprema, o Centro. Em outras palavras, o homem intelectual é aquele que realiza o conhecimento pela meditação, pois, para o desenvolvimento da centralidade, a meditação é a base por excelência da prática espiritual.

Mas qual a relação entre a meditação e o intelecto? Duas qualidades são necessárias: a concentração e a plena atenção, sabedoria.

A concentração traz o foco da energia mental para os objetos que surgem na mente (desejos, raivas, medos, pensamentos, distrações). As distrações são como o lodo do lago. Para que a água se mostre em sua natureza límpida, é preciso que as turbulências das águas do lago diminuam até cessar, e com isso as impurezas da água se assentem no fundo. Poderíamos talvez tomar a prática do “orai” como uma forma de concentração, de se manter a mente focada no objeto da oração, evitando que se torne cativa dos apelos dos sentidos, e o “vigiai” como a qualidade do Intelecto que sàbiamente “tudo vê” o que se passa interiormente, operando a purificação da mente. A concentração dá o poder da luz da câmera para que a sabedoria veja de forma ampliada o que está surgindo lá do fundo da mente. Mas plena atenção e concentração operam conjuntamente: não há concentração sem sabedoria, não há sabedoria sem concentração, diz um dos versos do Dhammapada, um dos ensinamentos do Buddha. Anàlogamente, “vigiar e orar” poderia, na perspectiva da tradição cristã, ser visto como práticas interdependentes e complementares de sabedoria e concentração.

Nesta ótica, não significa, entretanto, que o pensamento deva ser desconsiderado, pois isto conduziria, como tem conduzido em muitos casos na sociedade contemporânea, ao culto do infraracionalismo, sinônimo de irracionalismo, desestruturação da mente e destruição da ética. O pensamento tem o seu nível de realidade, eficácia e momento. Mas a reflexão necessitaria também de uma educação espiritual que a conduzisse ao pensamento correto. No Budismo, o pensamento correto é o segundo fator do Nobre Óctuplo Caminho, os oito treinamentos para a superação do sofrimento. Neste contexto, trata-se de cultivar o pensamento que se baseie na verdade da impermanência e da efemeridade da existência, portanto, conduzindo à compaixão e ao amor (os opostos do ódio, crueldade e frieza para com o sofrimento alheio), à generosidade (o oposto da cobiça e apego) e à renúncia (o oposto do apego à suposição equivocada de que o “eu” e “meu”, o ego, sejam realidades substanciais e eternas). “Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo”, ensina o Cristo.

Se compreendermos que o caminho da purificação rumo ao Absoluto é a maravilha das maravilhas, podemos afirmar que o caminho é uma experiência mítica! Com a vulgarização de nossos tempos, o termo mito foi muitas vezes traduzido como “fábula, ficção, ilusão”. Mas este não é o seu sentido verdadeiro, como bem demonstrado por estudiosos das mitologias, como Mircea Eliade, René Guénon, Joseph Campbell, e muitos outros pesquisadores. O caminho de realização espiritual é um caminho mítico. Por isso parece tão difícil ao Ocidente, dominado pelo racionalismo, afastado da compreensão e vivência do caminho mítico.

Se olharmos com mais profundidade o caminho dos fundadores das Tradições espirituais, veremos neles os passos de explicitação de um caminho mítico, em que cada passo, ato e palavra são carregados de verdades, muitas vezes na forma de símbolos que fundamentam os mitos e ritos daquela Tradição. Mas como se lê, por exemplo, o Novo Testamento? A vida de Cristo, em cada momento, é vista apenas como uma vida histórica e individual, com ensinamentos em forma de parábolas? Ou como penetração da Eternidade no tempo, em que cada passo do caminho do Cristo é o resgate da Criação para dentro da Refulgência dos arquétipos divinos?

A vida dos fundadores das Religiões é um mythos que serve de paradigma-espelho, no qual cada postulante se vê, revê e se orienta. Cada passagem da vida dos fundadores míticos é um símbolo que alimenta o intelecto em seu trilhar analógico. O caminho mítico. Como a flor de lótus, que emerge do lodo e atravessa as águas barrentas da existência samsárica, sem ser manchada por elas. Até alcançar o desabrochar, realização que se abre como pétalas da flor radiante.

Os fundadores míticos são os arquétipos do Herói, em sua realização mítica da jornada da destruição de avidya, a ignorância. Hoje em dia se cultuam heróis do automobilismo, do esporte, do cinema, que às vezes até podem relembrar em seus atos algo superior, mas os Heróis-Eros que traçam para muitos o caminho de realização espiritual, o caminho mítico, quantos os imitam?

Para onde se voltam nossas câmeras, luzes, ações?

BIBLIOGRAFIA

CAMPBELL, Joseph. A jornada do herói. São Paulo: Agora, 2003.
_________________ O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 2005.
_________________ O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2008.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1972.
_______________.O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GUÉNON, René. L´Homme et son devenir selon lê Vêdânta. Paris: Ed. Traditionelles, 1976.
______________ Os Símbolos da Ciência Sagrada. São Paulo: Ed. Pensamento, 1993.
SHAKER, Arthur. Buddhismo e Christianismo. Esteios e Caminhos. Petrópolis: Vozes, 1999. ______________ A travessia buddhista da vida e da morte. Introdução a uma Antropologia Espiritual. Rio de Janeiro: Gryphus, 2003.
______________ O lugar do Homem nas doutrinas tradicionais. Revista UNICLAR, ano IX, no. 1. São Paulo: Faculdades Integradas Claretianas, nov. 2007, p. 37-48.
STODDART, William. Outline of Buddhism. Oakton: The Foundation for Traditional Studies, 1998.
YOGAVACARA RAHULA, Bhikkhu. Superando a Ilusão do Eu. Um Guia de Meditação Vipassanā. São Paulo: Edições Casa de Dharma, 2006. www.casadedharma.org

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segunda-feira, 16 de agosto de 2010



a saga heróica dos meninos
São Jorge guerreiro e Santo Capoeira
fugindo entre fogos e mentes,
em busca do Reino Encantado


Canto e composição inspirados nos cantadores nordestinos, mouros e indianos.
O som das violas nordestinas de dez cordas, e das sonoplastias.
Reunindo temas dos CDs Bhava-Chakra e Interiores do Ser-tão,
o concerto percorre musicalmente caminhos interiores
por entre sertões e universos indígenas.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Os meninos e meninas

seus Caminhos de Sonhos, e Rebeldias




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Atividades Arthur Shaker Agosto 2010
 
BH
11-12 Meditação Vipassana  - Centro Nobre Dhamma (19.45-22 hs)

SP
18   Meditação Vipassana - Espaço Kurma (19.30-21 hs)
20   Concerto Musical - Casa de Dharma (20 hs)
23-25   II Simpósio Ciências da Religião Faculdade  Claretiano
 
RJ
28-29  Curso-Retiro Meditação Vipassana - Sociedade Budista do Brasil (SBB)
 
Saiba mais em Eventos

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O Meio ambiente, a Natureza e os Povos Indígenas


A espiritualidade indígena e a Natureza

Arthur Shaker

Saiba mais em: Meio ambiente

Eventos de Julho

São Paulo

03 julho, 15.00 - 16.30 hs: Casa de Dharma

Meditação Vipassana para iniciantes: prática e ensinamentos


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07-21 julho, 19.30 - 21.00 hs: Espaço Kurma 

Palestra com meditação: Meditação da Plena Atenção (Vipassana)
A contemplação do corpo na superação do sofrimento: a respiração e as posturas corporais

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Eventos de Junho

Culturas Indígenas

Guarani é oficializado como segunda língua em município do Mato Grosso do Sul


Saiba mais em  POVOS INDÍGENAS


ATIVIDADES com Arthur Shaker

09-10 junho Centro Nobre Dhamma (Belo Horizonte): Meditação 
16- 30 junho Espaço Kurma (São Paulo): Meditação
19 junho Centro Iyengar (São Paulo): Meditação
19 junho: inauguração nova sede Casa de Dharma (São Paulo)
26-27 junho Sociedade Budista do Brasil SBB (Rio de Janeiro) Curso-retiro: Meditação



Saiba mais em EVENTOS

segunda-feira, 31 de maio de 2010

o Lugar do Homem nas doutrinas tradicionais

Resumo

Este texto apresenta algumas proposições centrais das doutrinas tradicionais sobre o estatuto ontológico do homem no Cosmos e na sociedade. Evoca os paradigmas das tradições teístas, como o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, o Hinduísmo, as tradições indígenas ameríndias e africanas, e tradições não-teístas, como o Taoísmo e o Buddhismo.

A partir destas ontologias cosmológicas, examina as questões teóricas e práticas, e as conseqüências das perdas dessa compreensão no contexto da modernidade. Traz para a reflexão o significado da importância da recolocação desses paradigmas das doutrinas espirituais da humanidade. Aponta para o compromisso das Ciências da Religião, da Metafísica e da Teologia, bem como do conjunto das ciências humanas, nesse repensar ao nível intelectivo e seus desdobramentos para a existência humana contemporânea.

Revista UNICLAR, ano IX, no. 1. SP: Faculdades Integradas Claretianas, nov. 2007, p. 37-48

o Lugar do Homem nas doutrinas tradicionais
Arthur Shaker

Que coisa é homem, que há sob nome? pergunta o poeta Carlos Drummond. Quem somos, o que nos constitui e como direcionamos nossa natureza humana para a realização espiritual são as questões fundamentais daquele que aspira o caminho da Sabedoria e Iluminação. Para isto, vejamos o arcabouço explicativo das doutrinas tradicionais.

O lugar que as doutrinas tradicionais colocam o homem dentro da existência fenomênica pode parecer a princípio algo bastante complexo e nem sempre unânime para um ponto de vista mais imediato e exterior. Nas tradições que explicitam uma Cosmogonia, parte-se do Princípio Supremo, o Absoluto, para a manifestação, que se dá segundo uma progressiva diferenciação que engendra os seres.

Na doutrina taoísta, o Absoluto como ponto de partida é referido como o Tao sem nome, Ch’ang. Do Tao sem Nome, o Zero, o Absoluto, surge o Um, a Unidade Primordial, o Ser como princípio de todos os seres. Para se manifestar, a Unidade se polariza, surgindo dois princípios, o pólo ativo designado por vários nomes conforme cada Tradição, como Purusha, Yang, o Céu, o Pai, a Essência, e o pólo passivo, Prakrti, Yin, a Terra, a Mãe, a Substância. Da união, casamento sagrado (hierogamós) entre os dois princípios brotam os dez mil seres, simbolizando a multiplicidade do mundo manifesto, como cardumes de peixes que pululam dentro das águas cósmicas. Da união dos pólos principiais brota a Existência cósmica, com sua hierarquia de estados do Ser, os seres, sem que estes princípios participem diretamente da existência. Suportam toda a existência, mas não existem como princípios puros dentro da existência fenomênica.



Estas primeiras considerações já descortinam a distância entre a concepção cosmogônica tradicional e as interpretações das ciências modernas. Estas reduziram-se a noções quantitativas, com as quais pretendem explicar a gênese do Universo, como a hipótese do Big-Bang e o evolucionismo, sob a alegação de buscarem o fundamento da Verdade na própria “matéria”, termo este que não aparece em nenhum corpo teórico tradicional, e que tem sido questionado também pela própria Física quântica sobre sua veracidade e significação (1).

Nas tradições que explicitam a gênese da Existência, como o Hinduísmo, as tradições semíticas e muitas outras, o Homem é o intercessor, o Filho predileto deste casamento entre o Céu e a Terra. No Taoísmo, isto é simbolizado pela figura do Imperador, cujo ideograma é Wang. Neste ideograma, o traço horizontal superior designa Tien, o Céu; o traço horizontal inferior é Ti, a Terra; o traço horizontal mediano, que é menor, é Jen, o Homem primordial, e o traço vertical é o eixo transcendente.


Observemos que o ideograma Wang têm quatro traços. De acordo com a simbologia das ciências tradicionais, “o Quaternário configura a expansão total, simbolizada pela cruz, na qual os quatro ramos são formados por duas retas indefinidas retangulares. O quaternário é o número do Verbo manifesto, de Adam Kadmon” (2). Portanto, quando as Tradições teístas afirmam que o homem ocupa um lugar central no Cosmos, ou dito nos termos de Gênese bíblica, que Elohim criou, por sua Palavra e Ordem - “seja!” (kun), o homem à Sua imagem e semelhança, não é do homem individual que se trata, mas do Homem Universal - al-Insan al-Kâmil, Adão Kadmon, o Homem Transcendental, Tchen Jen - o arquétipo de toda manifestação. Eu (Deus) era um tesouro escondido; Quis ser conhecido, e Eu criei o mundo, diz um hadith (palavra divina) islâmico. Adão como a claridade do espelho no qual Deus irá manifestar Seu mistério a Ele mesmo: “Este ser adâmico foi chamado Homem (insan) e Representante (khalifah) de Deus. Quanto à sua qualidade de homem, ela designa sua natureza sintética (contendo virtualmente todas as outras naturezas criadas), e sua aptidão de enlaçar todas as Verdades essenciais” (3).


Conta o mito da criação do universo e do homem, segundo a tradição bambara do Komo, uma das grandes escolas de iniciação do Mande (Mali, África):

“ ‘Maa Ngala é a Força infinita.
Ninguém pode situá-lo no tempo e no espaço.
Ele é Dombali (Incognoscível)
Dambali (Incriado – Infinito)
(...)
Não havia nada, senão um Ser.
Este Ser era um Vazio vivo,
a incubar potencialmente as existências possíveis.
O Tempo infinito era a moradia desse Ser-Um.
O Ser-Um chamou-se de Maa Ngala.
Então ele criou ‘Fan’,
Um Ovo maravilhoso com nove divisões
No qual introduziu os nove estados fundamentais da existência.
Quando o Ovo primordial chocou, dele nasceram vinte seres fabulosos
que constituíram a totalidade do universo, a soma total
das fontes existentes do conhecimento possível.
Mas, ai!, nenhuma dessas vinte primeiras criaturas revelou-se apta
a tornar-se o interlocutor (kuma-nyon) que Maa Ngala havia desejado para si.
Assim, ele tomou de uma parcela de cada uma dessas vinte criaturas existentes e misturou-as;
então, insuflando na mistura uma centelha de seu próprio hálito ígneo,
criou um novo Ser, o Homem, a quem deu uma parte de seu próprio nome: Maa.
E assim esse novo ser, através de seu nome e da centelha divina nele introduzida,
continha algo do próprio Maa Ngala’.

Síntese de tudo o que existe, receptáculo por excelência da Força suprema e confluência de todas as forças existentes, Maa, o Homem, recebeu de herança uma parte do poder criador divino, o dom da Mente e da Palavra ”(4).

A queda do homem, segundo uma interpretação mais profunda dos textos da Gênese bíblica, designaria este processo de diferenciação, de afastamento, de distinção da Unidade primordial, cuja expressão mais ilusória é a individualização, a armadilha do ego. As doutrinas tradicionais que explicitam uma Cosmogênese partem do Princípio Supremo para a diferenciação que engendra a Existência, para daí indicar os caminhos de re-integração, à imagem de um triângulo cujo vértice, o Princípio, está acima e se abre em diferenciação para baixo. Uma doutrina não-teísta, como o Buddhismo, evitará muito da discussão cosmogônica, por considerá-la uma fonte de possível apego e teoricismo. Buddha usa o exemplo de um homem que recebe uma flecha envenenada. Alguém o socorre, mas o homem não quer que a flecha seja retirada antes de saber quem lançou a flecha, se era alto ou baixo, se estava longe ou perto, e tantas outras perguntas e acaba morrendo. Por isso, a ênfase budista é cuidar diretamente do caminho ascendente de Liberação. A imagem agora seria o triângulo com o vértice em baixo, simbolizando o homem, e abrindo-se para cima, para a Liberação (5).

Compreendida essa diferença de ângulo, as tradições são unânimes em afirmar que o homem ocupa, na Roda da Existência, uma posição muito especial em relação aos outros seres. Posição especial em potencial. Buddha ensinava ser de extrema riqueza, e de muitos méritos acumulados, o fato de seres terem nascidos no estado humano. É tão raro, dizia, quanto estarmos no meio do oceano, dentro de um pequeno barco, e descobrirmos um grande furo no fundo dele, por onde está entrando água, e de repente vemos lá longe uma tartaruga vindo, se aproximando, entrar por baixo e com seu casco tapar o buraco e conduzir o barco a salvo até uma costa segura a muitas léguas de distância. Raro e importante é ter nascido no estado humano, pois esse estado é muito propício para podermos nos libertar da prisão do Cosmos, alcançar a Iluminação diretamente a partir deste estado. Os demais seres, mesmo os celestiais devas, embora possam se iluminar a partir desses estados, devido aos seus apegos que esses estados prazeirosos permitem experienciar, terão mais dificuldades para aprender a Verdade, o Dharma, e com isso escaparem da roda de renascimentos, samsara. Quando Siddharta Gautama alcança o estado de Buddha, Libertação e Iluminação, e, refletindo sobre a incapacidade dos homens de entenderem o Dharma, decide não abrir o ensinamento do Caminho, os devas, que haviam descido dos céus para aprenderem os ensinamentos para a libertação, caem em profundo estado de inquietação e desolação. Do mesmo modo é dito que, quando da proximidade de um Bodhisattva se tornar um futuro Buddha, descendo ao estado humano, os devas dos dez mil sistemas de mundo rogarão ao Bodhisattva que nasça entre os humanos para ensinar-lhes o alívio de suas dores, o Caminho da iluminação.


O ser, em seu estado humano, possui a qualidade intelectiva que lhe permite despertar do sono da ignorância e realizar-se como um Buddha. A palavra Buddha deriva da raiz sânscrita Buddh, que significa conhecer, despertar. Essa qualidade intelectiva que o homem tem lhe permite experienciar e compreender os dois extremos do prazer e da dor na existência samsárica, e com isso, a possibilidade do desapego e libertação definitiva dos ciclos samsáricos do nascer e morrer. Para os demais seres, outros obstáculos se colocam: os seres celestiais, pelo fato de experienciarem muitos prazeres nesses estados, se intoxicam nessa experiência, que os dificultam ver a impermanência desses estados. Os seres que vivem nos estados infernais, por experienciarem muito sofrimento, terão de esgotarem muitos de seus karmas negativos até alcançar o nascimento no estado humano.

Nascer como ser humano é ao mesmo tempo de extrema riqueza e de difícil responsabilidade, de um perigo igualmente extremo. Nas perspectivas das tradições teístas, essa responsabilidade se estende ao destino do Cosmos. É dito nos relatos islâmicos que, ao criar o mundo, Allah convocou todos os seres e perguntou qual deles aceitaria ser seu representante a sustentar o mundo. Todos recuaram aterrorizados diante de tal responsabilidade, só o homem aceitou o compromisso. Todas as qualidades divinas estão sintéticamente dentro do homem, por isso o homem pode conhecer o Absoluto conhecendo a si mesmo.

Por esta condição central no Cosmos, é dito que mesmo os Anjos, por não possuírem a natureza integral de Adão, se curvam diante do Homem. Deus, ao criar à sua semelhança Adão Kadmon, o arquétipo da Humanidade, chamou-o e disse-lhe que desse nome a todos os seres, e Adão dava os nomes conforme as qualidades de cada ser que ele reconhecia dentro de si. E este era o nome. Nome como númen, halo de inteligibilidade que irradia de cada coisa, a natureza de cada coisa. O homem é um pequeno cosmos, e o cosmos é como um grande homem, diz um ditado sufi, do esoterismo islâmico. Como síntese de todo o Cosmos, o homem tem dentro de si todos os seres, toda a realidade. Parcialmente em seu corpo, como se expressa analogicamente seu processo de desenvolvimento embriológico, mas isso de modo algum teria a ver com as deduções que o evolucionismo extrai a partir da observação do desenvolvimento embriológico humano. Seria uma relação de analogia no nível apenas corporal, mas é principialmente em sua mente (ou seja, no domínio dos princípios) que o homem tem dentro de si tudo que tem fora dele, por isso ele pode conhecer toda a realidade interior e exterior a ele. Dentro dele estão todos os seres, a borboleta, a árvore, a chuva, não como presenças corporais, mas principiais, como presença virtual espiritual. Por isso quando ele vê um ser, ele reconhece dentro de si uma afinidade. E ambos traduzem a manifestação desta Realidade Suprema. Disse um sábio chinês: sonhei certa vez que eu era uma borboleta, e quando acordei, eu não sabia se eu era um homem que havia sonhado que era uma borboleta, ou se eu era uma borboleta que havia sonhado que era um homem. É um, é outro, nem um, nem outro. Tanto ele quanto a borboleta, são manifestações da Realidade Última, o Princípio Supremo. Graças a esta capacidade intelectiva, o homem de uma sociedade tradicional organiza sua vida terrestre em função dessas correspondências simbólicas entre o Macro, o Microcosmos e os princípios transcendentes. Na aldeia de certos povos indígenas as casas estão dispostas segundo um círculo que se organiza em função do Centro gerador. Neste centro se localiza às vezes as assembléias onde se discutem as questões coletivas, como é o caso do warã entre o povo Xavante do Mato Grosso, ou a casa da pajelança. Por esse centro passa o eixo que liga o Céu à Terra. O ser humano, dentre todas as espécies, é o que por excelência se mantém verticalmente de pé.

Cada cosmologia tradicional possui suas práticas de realização espiritual. Nas cosmologias em que o mundo é visto como um símbolo do transcendente, recuperar a capacidade de ver e compreender o macro e o micro cosmos como símbolos teofânicos é essencial para o despertar da Sabedoria inerente ao homem. O homem é dentre os seres aquele que tem esta capacidade mais propícia. Sabendo usá-la, a vida passa a ser disposta de maneira saudável, tornando todos os pensamentos, falas e atos dotados das virtudes do rito e do símbolo e o diálogo interior-exterior, Céu-Terra poderá fluir com grande equilíbrio e harmonia. Essa compreensão oferecerá o alimento da real alegria para o ser humano, motivando-o a prosseguir na sua ascese e libertação espiritual.

Segundo as doutrinas tradicionais teístas, quando essa Cosmologia simbólica se enfraquece dentro do homem, sua condição e seu potencial de centralidade se invertem, e o homem fica abaixo dos animais, pois se estes vivem a Presença do divino dentro deles de forma intelectivamente mais passiva, preservam a pureza desta Presença passiva e jamais põem em risco o mundo. Já o homem, ao perder a compreensão de seu legítimo lugar e dever, perde o direito de Representante divino na Terra, e faz do dom do intelecto a arma da destruição de si mesmo e do mundo. Dotado desta capacidade intelectiva, a mente humana pode investigar seu interior e exterior. Em nossos tempos, a compreensão interior se estreitou, valorizando-se mais a tendência e curiosidade da expansão pelos espaços exteriores. Todas as doutrinas tradicionais são unânimes em afirmar que por esta capacidade intelectiva do homem compreender as verdades últimas, o estado humano tem um lugar especial no processo de realização espiritual. Segundo as doutrinas teístas, como o Judaísmo, o Cristianismo e Islamismo, a virtude e função fundamental do homem é trilhar e preservar sua condição de centralidade cósmica, este Ponto semente de mostarda que espelha o reino divino e cuja expansão cria o Cosmos. Procurem o Reino de Deus e o demais lhes será dado por acréscimo, diz o Evangelho.

Estar entre o Céu e a Terra, meio-anjo meio-animal, é o lugar do homem. Na perspectiva cristã, a crucificação do Cristo poderia ser estendida analogicamente para a condição humana. O homem está crucificado no ponto de encontro entre o braço horizontal e o eixo vertical da cruz. O braço horizontal simboliza os estados manifestos e condicionados do Ser, sua face efêmera e relativamente ilusória, o homem exterior, com todas suas alegrias e sofrimentos do impermanente. As faces como “múltiplos ‘planos de reflexão’ diferenciando a irradiação (al-tajallî) divina”(6) . O eixo vertical aponta e expressa o Transcendente, o homem interior. Neste ponto de cruzamento central e crucial, de agonia e glória, está o homem, cujo arquétipo no Cristianismo é o próprio Cristo, e cuja passagem pelo mundo desenha esta dupla natureza terrestre e celeste dos homens. Por isso a iluminação exige que cada homem realize em si o conhecimento horizontal dos mundos, com a dignidade e o dever de se saber humano, ser plenamente as qualidades do humano, e, concentrando-se neste ponto crucial, elevar-se verticalmente dos estados inferiores até o seu destino de Glória. Segundo as palavras do Cristo: Tome tua cruz e me siga.

Esta centralidade do homem, entretanto, é apenas virtual. Precisa ser efetivada, em ato. Quando o homem, com esta responsabilidade e dádiva meritória de sustentar sobre sua cabeça esta condição central, fraqueja e perde esta clareza e centralidade potencial, seja porque a sociedade obscurece a clara visão cosmológica dentro e fora do homem, não mais permitindo que ele compreenda isso, seja porque ele abre mão deste lugar de farol no escuro oceano tormentoso, em troca das aparentes vantagens do que é exterior - e essas duas razões estão interligadas - então ele e tudo que está em volta dele, a sociedade e os outros reinos também fraquejam e se obscurecem, a ignorância se espalha e amplia, o próprio Cosmos se decompõe junto com ele. O Reino divino se eclipsa, e o homem, reduzido à sua dimensão de apenas terrestre, se torna um objeto flutuante no mar disperso dos acréscimos fugidios.

Nas doutrinas não-teístas, como o Buddhismo, embora não se tenha a questão de um Deus criador, também aí se coloca para o ser humano a importância da consciência dessa sua capacidade de compreender a Verdade, o Dharma, e assumindo a profunda responsabilidade desta sua qualidade cognitiva, purificar sua mente dos venenos da avidez, do ódio e da delusão. É necessário, entretanto, ressaltar uma das diferenças importantes entre a visão budista e outras doutrinas espirituais. O Buddhismo não considera que o estado humano seja sinônimo de uma identidade individual permanente. Esse senso de um “eu” eterno e substancial é, na doutrina budista, apenas um senso ilusório, o que não significa um nihilismo, mas que o que temos de fato são apenas os cinco agregados da forma, sensação, percepção, pensamento e consciência, que iludem a mente como sendo um “eu”, de onde deriva o senso do “meu”, gerador do apego e do sofrimento. Essa noção budista do “não-eu”, anatta (na língua páli) é sutil e complexa, elaborá-la aqui estenderia demais esse texto, mas envolve a questão central: quem sou eu? Ou melhor dito: o que é este “eu” com quem nos identificamos e apegamos?

A ignorância sobre o estatuto ontológico de ser humano é de fato o grande obstáculo que mantém o ser humano preso à roda dos nascimentos, e, portanto, do sofrimento. Nesse sentido, a questão sobre como as ciências humanas definem a natureza humana e seu lugar no Cosmos é de importância fundamental para a construção dos modelos de orientação para o homem e a sociedade. Poderíamos nos perguntar o quanto certos modelos paradigmáticos das ciências humanas na modernidade, ao secularizarem suas interpretações sobre a natureza humana, não têm de fato contribuído para fortalecer esse desenraizamento espiritual do lugar do homem na sociedade e no Cosmos. Proposições ilusórias desta natureza têm consequências graves. A disciplina das Ciências da Religião, e a Metafísica e a Teologia, têm um compromisso vital, e sem hesitação, diria que se trata de um compromisso urgente, em trazer à luz a profundidade da sabedoria das doutrinas espirituais, não como uma imposição dogmática, mas um exame minucioso dos paradigmas ontológicos sobre o estatuto do homem. Pois é preciso todo esforço para se evitar o que não se pode mais ignorar: há muitas evidências de que persistindo-se neste caminho de cobiça e ignorância, se avoluma com rapidez os riscos de um desastre de proporções imprevisíveis.

Notas

(1) Sobre isto, ver Materia signata quantitate, Cap.II, in Le Régne de la quantité et les signes des temps, René Guénon, France, Ed. Gallimard, 1945.
(2) Guénon, René - pg. 63, 1976.
(3) Ibn’Arabi, Muhyi-D-Din - pag.27, 1974.
(4) Hampaté Bá – p. 184, 1982.
(5) Burckhardt, Titus - pg 168, 1958.
(6) Ibn’Arabi, Muhyi-D-Din - op.cit., pg 21.


Bibliografia

Burckhardt, Titus - L’Image du Bouddha, in Principes e méthode de L’Art Sacré, Derain, 1958. Cooper, J.C. – Yin eYang – A Harmonia dos Opostos, São Paulo, Martins Fontes, 1985.
Eliade, Mircea – Mito e Realidade, SP, Ed. Perspectiva, 1972.
____________. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
Guénon, René - Le Régne de la quantité et les signes des temps, France, Ed. Gallimard, 1945.
__________ Melanges, France, Ed. Gallimard, 1976.
Hampaté Bá, A. – A tradição viva, in História Geral da África, São Paulo, Ática; [Paris], Unesco, 1982.
Ibn’Arabi, Muhyi-D-Din - La Sagesse des Prophètes, (trad. e notas de Titus Burckhardt), France, Ed. Albin Michel, 1974.
Shaker, Arthur – Buddhismo e Christianismo. Esteios e Caminhos, Petrópolis, Vozes, 1999.
___________ A travessia buddhista da vida e da morte – Introdução a uma Antropologia Espiritual, Rio, Gryphus, 2003.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Sabor de viver o Presente Aqui Agora
um verdadeiro presente

Artigo na revista Bons Fluidos
maio 2010
participação Arthur Shaker - Casa de Dharma


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Eventos Maio 2010

Belo Horizonte
Centro Nobre Dhamma

Curso 19-20 maio
a Felicidade humana e os meios hábeis
de superação de seus obstáculos:
a Meditação budista e a Purificação de nossa visão
sobre a condição humana


São Paulo

Espaço Kurma
Palestra e Meditação 26 maio
19.30 - 21.45hs
Plena Atenção e Superação do Sofrimento

Forum África
25-31 maio
XIIa.SEMANA DA ÁFRICA


Brasilia

Sociedade Vipassana de Meditação

Palestra 28 maio
a Felicidade humana e a superação de seus obstáculos:
a prática da meditação Vipassana

Workshop 29 maio
a meditação Vipassana e a Libertação da mente:
cultivando as Oito Habilidades em nossa vida diária


Mais detalhes: em EVENTOS

segunda-feira, 10 de maio de 2010

POR QUE AS MUDANÇAS NOS ASSUSTAM?


POR QUE AS MUDANÇAS NOS ASSUSTAM?
Arthur Shaker - Casa de Dharma


Todos nós seres humanos queremos a felicidade, e lutamos para escapar do sofrimento. Temos projetos para nossa vida, compromissos com as nossas famílias, contas a pagar, sonhos a realizar. Tudo isso está dentro do mundo E este mundo vive atualmente um processo de grandes mudanças. E rápidas, e muito exigentes.

Como lidar com tudo isso?

Leia mais >>>