quinta-feira, 23 de junho de 2011


Meditação da Plena Atenção (Mindfulness),  Neurociências e Saúde:

abrindo perspectivas

Dr. Arthur Shaker Fauzi Eid
(PhD - Unicamp)
Casa de Dharma – SP


Este texto traz reflexões sobre as interfaces entre a Meditação da Plena Atenção (Mindfulness), as Neurociências e a Psicologia no campo da Saúde, a partir dos frutos dos cursos, de mesmo nome, iniciados em setembro de 2010, na Casa de Dharma, com duração de um ano, desenvolvido em equipe, e dirigido a profissionais da área de saúde (médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, etc.), bem como a interessados.

Este curso tem caráter de formação teórica e prática: sob a perspectiva teórica, analisa o que a Ciência moderna reconhece até o momento a respeito dos efeitos desta técnica sobre processos básicos do funcionamento fisiológico do cérebro, utilizando como base, conceitos básicos de neurofisiologia (1), e recentes estudos publicados em diversos periódicos de referência na literatura médica internacional (2), reforçando o potencial papel da prática da meditação da plena atenção como medida de promoção de saúde e auxiliar em diversos tratamentos clínicos. Sob a perspectiva prática, oferece a experiência deste treinamento e reflexão de seus fundamentos cognitivos, implicações e benefícios no âmbito do equilíbrio corpo-mente. 

1. Breve histórico dos intercâmbios

Desde meados do séc. XX, pesquisas de neurocientistas têm aberto campo para a reflexão mais acurada sobre as interrelações corpo/cérebro-mente.

O neurocientista Fred Gage e sua equipe, do Instituto Salk (Califórnia), realizando em 1997 pesquisas com animais, faz várias descobertas importantes sobre como um ambiente enriquecido pode mudar seus cérebros, causando novas conexões entre neurônios, bem como a geração de novos neurônios (3), onde o fator do exercício voluntário teria papel significativo. Um ano depois, utilizando fatias de hipocampo de cérebros de doadores humanos falecidos por câncer, Gage e sua equipe comprovaram a realidade da neurogeneses nos cérebros humanos (4). Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, em Madison, em sua pesquisa sobre a ciência das emoções, iniciada em maio de 2001, investiga as potencialidades da mente na mudança do cérebro. Em 2004, a prestigiada revista científica Proceeding of the National Academy of Sciences (5) publica o primeiro relato sobre o aumento do sinal gama nos treinamentos da plena atenção e concentração (Mindfulness), uma ativação maior nas regiões cerebrais da ínsula direita e núcleo caudado, rede que outros estudos têm associado aos aspectos afetivo-emocionais cerebrais, bem como mais fortes conexões das regiões frontais para regiões de emoção do cérebro, “sugerindo o poder do treinamento mental de produzir um estado cerebral elevado associado à percepção, solução de problemas e consciência” (6). O neurocientista Francisco Varela, em suas pesquisas sobre cérebro-mente, abre importantes contribuições para o campo das Neurociências e Ciência Cognitiva (7). Nessa linha de investigação, cientistas como Michael Merzenich (Universidade de Wisconsin) e John Kaas (Universidade de Vanderbilt) desenvolvem, a partir da década de 80, linhas de pesquisa relacionadas à questão da plasticidade do cérebro adulto, que evidenciam que o desenho físico do cérebro e o dinamismo do córtex cerebral são moldados e transformados pela experiência e comportamento (8).

Nesta linha de investigações das interrelações entre corpo-cérebro-mente e padrões de comportamento, pesquisas sobre o papel da influência do treinamento da plena atenção e concentração passaram a ser desenvolvidas na área da Psiquiatria e Psicologia. Jeffrey Schwartz, pesquisador e professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, investiga o potencial terapêutico da meditação da plena atenção nos seus pacientes com Transtorno-Obsessivo-Compulsivo (TOC), demonstrando em estudos que o esforço mental voluntário e consciente pode alterar certos circuitos cerebrais, no caso específico, diminuindo a atividade no córtex frontal orbital, o centro do circuito do TOC. Suas pesquisas se inserem no campo da Neuroplasticidade e Neuropsicologia (9).

Na década de 90, cientistas da Universidade da Califórnia apontavam que a Terapia Cognitivo-Comportamental, baseada na mente, poderia intervir no âmbito de certos padrões de atividade elétrica e química dos circuitos cerebrais, relacionados com transtornos psiquiátricos como a depressão. As evidências científicas derivavam de uma ampla pesquisa chamada Treatment of Depression Colaborative Research Project (Projeto de Pesquisa Colaborativa de Tratamento de Depressão), estudo que durou dois anos, financiado e elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) (10).

Nessa mesma linha, a terapia cognitiva da Plena Atenção (Mindfulness-Based Cognitive Therapy, MBCT) vem sendo desenvolvida por cientistas contemporâneos, como Mark Williams (PhD, Professor de Psicologia Clínica e Wellcome Trust Principal Research Fellow da Universidade de Oxford, United Kingdom), John Teasdale (PhD, Department of Psychiatry e no Cognition and Brain Sciences Unit, Cambridge, UK), Zindel Segal (PhD, Morgan Firestone Chair em Psicoterapia na Universidade de Toronto e Diretor do Cognitive Behaviour Therapy Unit no Centre for Addiction and Mental Health), Jon Kabat-Zinn (PhD, Professor Emérito de Medicina no University of Massachusetts Medical School) (11).

Importante salientar que propomos a experienciação desta prática não como alternativa às terapias médicas, psiquiátricas e psicológicas de saúde, o que seria uma simplificação descabida sobre a complexidade envolvida nas questões dos distúrbios físico-mentais da condição humana. A ressalva é necessária, dada a quantidade de proposições de “cura mágica” que assistimos surgir nos tempos atuais. O intercâmbio entre a Meditação da Plena Atenção (Mindfulness), as Neurociências e a Psicologia, ainda que considerando os estudos e aplicações acima referidas, ainda é recente, e requer maiores pesquisas e avaliações científicas tanto no âmbito de seus fundamentos conceituais como de seus resultados práticos. Esta prática deve ser vista antes como recurso complementar às terapias médicas, psiquiátricas e psicológicas de saúde, monitorada e acompanhada de avaliações profissionais adequadas.

Convém esclarecer que sua aplicação, bem como outras práticas de apoio, já se encontra atualmente referendada e incentivada pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002-2005), e como parte do PNPICS, Portaria 971 do Ministério de Saúde 05/2006 (SUS-Política de Práticas Integrativas e Complementares), bem como parte das práticas tradicionais, complementares e integrativas em certas capitais brasileiras, como nas Coordenadorias Regionais de Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo. Poderíamos também citar o Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos, Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Hospital Albert Einstein, ou como tema de pesquisa no Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, e na Universidade de Brasília.

2. A Meditação da Plena Atenção (Mindfulness): Fundamentos

Mindfulness, a meditação da plena atenção e do insight, cuja origem se encontra na tradição budista, consiste no treinamento da faculdade mental da atenção, desenvolvendo-a pela prática da observação direta das experiências internas do corpo e da mente de maneira completamente consciente e sem julgamentos. Este treinamento, que envolve igualmente o desenvolvimento da faculdade mental da concentração, permite que a pessoa se posicione à certa distância dos enredos das formações mentais, observando momento-a-momento o corpo (em seus vários ângulos – como a respiração, batimentos cardíacos, sensações, etc.), as emoções e os pensamentos espontâneos do cérebro/mente.

3. Significados e benefícios no equilíbrio corpo e mente

Esta habilidade prática, conforme resultados evidenciados nas referências científicas citadas, consiste em um treinamento para o desenvolvimento de uma percepção da realidade, progressivamente equânime ante às experiências das sensações e emoções associadas ao processamento consciente e inconsciente das informações percebidas pelas áreas sensitivas primárias, em áreas cerebrais mais complexas relacionadas à memória, emoções e padrões de comportamento, principalmente em situações em que este processamento leva o indivíduo a estados de desequilíbrio físico e psicológico.

Uma recente pesquisa realizada pela Harvard Medical School, EUA, em conjunto com um instituto de neuroimagem da Alemanha e a Universidade de Massachussets (12), e publicada na “Psychiatry Research: Neuroimaging” (13), após comparações entre as ressonâncias magnéticas dos que foram treinados a praticarem esta meditação da plena atenção por oito semanas e um grupo-controle que não fez as aulas, estas ressonâncias mostraram aumento de massa cinzenta no hipocampo esquerdo, no córtex cingulado posterior, na junção temporo-parietal e em duas áreas do cerebelo dos meditantes. Segundo Britta Hölze, pesquisadora da Harvard Medical School e uma das autoras do estudo, isso pode representar melhoras nas áreas da aprendizagem, memória, emoções e estresse. Acresce-se também que por ser o hipocampo uma área onde há uma maior concentração de neurônios, o aumento da massa cinzenta no hipocampo é benéfico, segundo avaliação de Sonia Brucki, neurologista do departamento científico de neurologia cognitiva e do envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (14). Isto reforçaria a proposição sobre a estimulação da neurogenees e da neuroplasticidade do cérebro, e, portanto, da mudança da estrutura do cérebro, como efeito de certas práticas como a da Meditação da Plena Atenção. Novas pesquisas e avaliações deverão precisar com maiores dados os benefícios, desafios e limitações envolvidas nesta complexa temática da saúde humana.

Concluindo, e retomando a questão das proposições da Meditação da Plena Atenção (Mindfulness), seu treinamento possibilitaria que o indivíduo, em um primeiro momento, perceba o surgimento dos estados corporais e psicológicos a que as experiências do dia-a-dia condicionam o corpo e a mente, e, em um segundo momento, desenvolva gradualmente a capacidade de não se identificar com tais estados psicológicos, podendo escolher sua forma de responder frente a tais experiências de modo mais equilibrado, aumentando sua qualidade de vida e diminuindo assim o impacto de condições causadoras (e por sua vez resultantes) de estresse crônico e baixa qualidade de vida.

4. Notas

(1) Guyton, Hall Tratado de Fisiologia Médica 10º edição
(2) 2010 out., Função Cognitiva CBF, University of Pennsylvania J Alzheimers Dis;20(2):517-26; 2010 jun., Função cognitiva e índice de recaídas em etilismo crônico J Psychoactive Drugs;42(2):177-92; 2010, Modulação da Dor, Department of Psychology, Columbia University Pain;150(3):382-3, 2010 Sep.; 2010, Dor, potencial Evocado Antecipatório Human Pain Research Group, University of Manchester, Pain;150(3):428-38, 2010 Sep.; 2009, Contagem de Células CD4+ em SIDA Inst. Psiquiatria UCLA, EUA Brain Behav Immun;23(2):184; 2007; Capacidade funcional em ICC, Department of Medicine, University of Pennsylvania.).
(3) Gage, F. H.; Kempermann; Kuhn, H.G.: “More Hippocampal Neurons in Adult Mice Living in an Enriched Environment” Nature 386 (1997): 493-95.
(4) Gage, F.H, Erikson, P.S; Perfilieva E.; Bjork-Eriksson, T.; Alborn, A.M; Nordborg, C.;Peterson D.A.: “Neurogenesis in the Adult Human Hippocampus”, Nature Medicine 4 (novembro 1998); 1313-17.
(5) Davidson R..J.;Lutz, A.; Greischar, L.L.; Rawlings, N.B.; Ricard, M.: “Long-Term Meditators Self-Induce High-Amplitude Gamma Synchrony during Mental Practice”, Proceedings of the National Academy of Science 101 (16 novembro 2004): 16369-73.
(6) Begley, Sharon: Treine a mente, mude o cérebro, p.251; RJ, Objetiva, 2008.
(7) Francisco Varela et al: “The Brainweb: Phase Synchronization and Large-Scale Integration”, Nature Review Neuroscience i2 (2001): 229-239; em imunologia: Francisco Varela e Antonio Coutinho: “Second-Generation Immune Networks”, Immunology Today 12 (1991): 159-166; em biologia teórica: Francisco Varela, Principles of Biological Autonomy, NY: North Holland, 1979; em ciência cognitiva: Varela, Francisco; Thompson, Evan; Rosch, Eleanor: “A Mente Corpórea – Ciência Cognitiva e Experiência Humana”. Lisboa, Ed. Instituto Piaget, 2001.
(8) Merzenich, M.M.; Kaas, J.H.; Wall, J.T.; Sur, M.; Nelson, R.J. e Felleman, D.J. “Progression of Change Following Median Nerve Section in the Cortical Representation of the Hand in Areas 3b an 1 in Adult Owl and Squirrel Monkeys”, Neuroscience 10 (1983): 639-65.
(9) Schwartz, Jeffrey M.; Begley, Sharon: The Mind & The Brain –Neuroplasticity and the Power of Mental Force. NY, Harper Perennial, 2003; Begley, Sharon: Treine a mente, mude o cérebro, p.157; RJ, Objetiva, 2008.
(10) Elkin, I.;Shea, M.T.;Watkins, J.T.; Imber, S.D.; Sotsky, S.M.; Collins, J.F. Glass, D.R.; et all: “NIMH Treatment of Depression Collaborative Research Program: General Effectiveness of Treatments”, Archives of General Psychiatry 46 (1989): 971-83.
(11) Suas proposições e resultados podem ser examinadas em: Williams, Mark; Teasdale, John; Segal, Zindel; Kabat-Zinn, Jon: The Mindful Way through Depression. USA: The Guilford Press, 2007. Nesta obra, há outras referenciais de publicações realizadas em torno desta temática.
(12) Folha de São Paulo, “Saúde”, C12, 30/01/2011.
(13) Idem, C12.
(14) Idem, C12.